Olá leitores do CP Musical!
Hoje nossa professora de dança Carol Isolani traz uma entrevista com o ator de teatro musical Renato Ferrier, que também dá vida a drag queen chamada Roxy Yours. Atualmente ele faz a websérie DIVANDO, que em menos de um mês no ar ultrapassou os 100 mil acessos, e que dentre outros temas, fala das dificuldades da vida de uma drag queen.
Carol Isolani: Renato, antes de embarcar no universo drag você desenvolvia um trabalho focado em teatro musical certo? Como foi que houve essa mudança?
Renato Ferrier: Então, fazem nove anos que eu trabalho e estudo com teatro e dança. Já fiz algumas coisinhas de teatro musical (Nas Alturas, A Sessão da Tarde, shows de natal com a Only Broadway...) e já trabalhei muito com teatro infantil e como bailarino. A drag surgiu meio que naturalmente. Eu já havia me montado antes... em 2009 eu dancei num navio de cruzeiros onde havia a noite da drag queen e os bailarinos eram obrigados (por contato) a participar! Eu me divertia né, e desde então fiz drag em alguns eventos ou pra sair com os amigos. Aí, em 2012 eu dei vida a Bruxa Lezah no "Looney Tunes Show Live" que foi quando conheci a Fernanda Chamma, e acabei trabalhando bastante com ela depois da peça por causa da minha Bruxa. E a Bruxa fazia sucesso com o público, mas sempre foi um personagem mais complicado de trabalhar (pra vida). Então, no final do ano resolvi investir na carreira de drag quando recebi um convite pra me apresentar na
noite... Acho que com a bruxa acabei descobrindo uma força feminina de trabalho muito grande que acabei passando pra minha personagem drag.
CI: Você trocou de carreira?
RF: Na verdade não. Eu continuo trabalhando como Renato Ferrier, só que agora tenho que conciliar também a agenda da Roxy, o que é bem dificil, porque com a drag eu acabo trabalhando mais na noite e com o Renato mais de dia. Então fica bem complicado conciliar coisas do tipo noitadas em baladas e muita falação com descanso de voz e aulas de canto!! Mas tenho sim deixado um pouco o Renato de lado, porque a Roxy acabou tomando conta dos meus dias. Acho que ela em 6 meses de carreira já fez mais coisa do que eu em 8 anos, kkkkk.
CI: Como assim?
RF: É que igual a Bruxa, a Roxy é muito diferente de mim. Elas são muito mais audaciosas, muito mais destemidas e corajosas do que eu. O que é muito interessante, porque eu acabo ganhando muito com esse intercâmbio. Um exemplo bobo é que a Roxy fez um Facebook pra ela, e ela nunca teve medo de adicionar um produtor de festa ou pedir uma oportunidade. Eu como Renato nunca tinha adicionado ninguém que eu não conhecia ao vivo. Esse tipo de libertação que as personagens tem acabam me afetando enquanto pessoa. Pois eu começo a ousar mais também. E com a Roxy eu consegui ter uma visibilidade artística que eu nunca tinha conseguido antes por causa da websérie.
CI: Essa websérie fala das dificuldades da vida de uma drag queen né? Você acha que ela passa pelas mesmas dificuldades que qualquer outro artista??
RF: Sim e sim. Sim porque é realmente muito difícil ser artista nesse país. Seja drag, seja ator, seja bailarino, seja cantor.. qualquer área artística requer MUITO investimento. Investimento de tempo e dinheiro pra estudar e se desenvolver como artista. E nosso sistema de educação não ajuda nisso, porque por mais que tenha uma aulinha de teatro ou de dança no colégio que você estudou elas não são o suficientes pra te profissionalizar. Agora pelo menos existem as escolas de teatro musical que já somam uma modalidade a outra. Mas na minha época (kkkkkk) ou você estudava canto, ou dança ou teatro. E era muito difícil encontrar alguém que fosse bom nas 3 areas. Uma drag passa por essas mesmas dificuldades, porque tem drags que dublam, tem drags que batem cabelo, drags que dançam, que apresentam stand up... E cada área é específica né? Então sim, existem as mesmas dificuldades, somadas que os cachês são sempre muito baixos em ambas
as áreas. E sim novamente porque existe um preconceito social envolvendo ambos. As drags sofrem o mesmo preconceito que as bailarinas em relação ao olhar machista do sistema que vivemos. Uma drag é um homem que quer ser mulherzinha e uma bailarina é vagabunda porque usa roupas curtas. Ou um ator é um vagabundo porque não trabalha das 9h as 18h. Sendo que nós sabemos que é muito do contrário... Como é trabalhoso ser artista nesse país!
CI: Porque você acha tão trabalhoso?
RF: Vou te dar o meu exemplo. Eu queria ser ator. Aí fui estudar teatro. Mas vi que pra ser um bom ator eu precisava saber usar meu corpo. Ai fui fazer aula de ballet. Aí percebi que eu teria mais facilidade de arrumar trabalho se eu dançasse jazz e hip hop tb. Fui estudar. Mas eu não tinha dinheiro, então mandei meu material pra todo e qualquer tipo de seleção e acabei fazendo assistência de direção aqui, de produção alí. Aí fui estudar canto pra poder trabalhar com musicais. Mas nenhuma dessas modalidades ainda me dava dinheiro o suficiente pra viver... Então eu fui fazer um book fotográfico. Aí eu achava meu currículo muito pouco, decidi ir fazer um site pra ver se dava um up. Do site pulei pro youtube, então comecei a editar meus vídeos também. Aí na dificuldade de me manter como freelancer eu comecei a dar aula de teatro e de sapateado... Agora virei drag queen. Como drag queen eu já fiz show de comédia, lipsynch, fui
hostess, dj e animador de festas. E ainda assim não tô aonde eu queria estar. Ou seja, hoje em dia pra realizar o meu sonho de ser ator eu desenvolvi milhares de habilidades e mesmo assim ainda tenho dificuldade pra trabalhar... Porque o país tem uma maneira de operar que não favorece o trabalho do artista. A nossa cultura diz que qualquer um pode ser ator, agora ainda tá na moda pegar não atores pra fazer o nosso trabalho... Quer dizer... Tem que gostar muito viu!!!
CI: Você disse que trabalhou como bailarino, na sua opinião, qual é a importância do trabalho de dança para um artista?
RF: Eu particularmente acho crucial um trabalho de dança para um artista porque a dança te exige e te ensina algumas coisas que faltam em MUITOS artistas por aí... tipo foco, disciplina, perseverança, estudo... Por causa dos meus estudos em ballet, jazz e hip hop eu acabei descobrindo que sou um ator que me desenvolvo pelo corpo. Quando fiz a Bruxa construi a personagem toda a partir de descobertas com o corpo. O peso dela, o afastamento das pernas em plié (buscando ser igual o desenho da Warner) e a dinâmica dela, toda brusca e espalhafatosa. A Fernanda (Chamma) me ajudou muito na parte corporal no início dos ensaios, e com essa base eu acabei encontrando a voz e o tempo da Bruxa sem muito esforço sabe? Acho que cada profissional tem uma área em que começa melhor. Tem gente que começa uma construção pela voz. Outros pela genesis. Eu sou pelo corpo.
CI: Mesmo que o artista não vá dançar, você acha que o estudo ajuda na sua arte?
RF: Absolutamente. Eu mesmo parei de dançar, mas continuo com o conhecimento que ganhei com a dança em tantos anos. Por exemplo, a dança me ensinou que quando subimos ao palco somos imagem, e imagem por si só já comunica. Pra subir num palco você precisa ter consciencia da sua postura, do espaço que você ocupa e como o ocupa, pois tudo isso comunica. Uma coisa que eu uso MUITO e que aprendi com as aulas de dança é a desenvolver partituras corporais. Igual uma coreografia, que você tem momento certos (indicados pela musica) pra realizar determinados movimentos, como ator eu uso muito de momentos certos (tipo uma determinada palavra) pra realizar um gesto que vá ajudar na clareza do que eu to querendo comunicar. E tem uma coisa que é muito deliciosa na dança que é aquele sentimento de superação. Eu faço sapateado agora, e lembro como era difícil fazer um pullback ou wing. E depois de muito tempo, de muitas tentativas e erros, chegou uma hora que o pullback e o wing começaram a sair sem dificuldade nenhuma. Poderia ser uma pirueta, ou um mortal. Essa sensação de superação é impagável. Faz a gente sentir que tudo é possível e alcançável através do nosso esforço.
CI: Você disse que parou de dançar... isso aconteceu por algum motivo específico?
RF: Sim. Eu sempre fui muito esforçado (eu acho né hehehe e tento pelo menos!) mas nunca fui um exímio bailarino. Melhorei muito nas modalidades que estudei (ballet, jazz e hip hop principalmente), mas existem algumas circunstâncias que eu percebi que não me ajudariam a ser um bailarino fodástico. Primeiro porque eu comecei a dançar tarde, e a carreira de um bailarino geralmente termina cedo né? Existem possibilidades, mas pra dançar em palco você precisa ter um preparo muito grande e um diferencial. Num dado momento eu parei pra refletir e reconheci minhas limitações. Eu não tenho flexibilidade apesar de ter facilidade pra dançar. E o meu diferencial sempre foi como ator, então eu escolhi focar na carreira de ator ao invés de continuar dançando. Mas continuo dançando né, hahahaha.
CI: Se vc pudesse dar um conselho pros estudantes de teatro musical, qual seria?
RF: Eu diria pra eles pensarem bem e terem muita certeza antes de se aventurar. Conseguir viver de arte no Brasil é coisa de quem ralou e suou muito. É pros sobreviventes. E particularmente o teatro musical é o mais dificil de todos. Porque requer habilidades específicas em áreas distintas... O mercado no Brasil está crescendo. Nos ultimos 10 anos houve um BOOOM de escolas de teatro musical que juntam as linguagens. Quando eu comecei, como já disse, não haviam tantos profissionais que dessem conta de cantar bem dançar bem e atuar bem. Daqui 5, 10 anos teremos uma leva de profissionais muito bem preparados. Então se você realmente ama: sue! Invista! Porque vale a pena cada esforço. Subir no palco e poder cantar dancar e atuar é uma das sensações mais deliciosas que eu já senti. Conseguir dar conta de tudo isso ao mesmo tempo é bom demais! Mas saibam que é preciso muito, MUITO trabalho!!
Texto: Carol Isolani